O câncer de pulmão, uma das principais causas de morte no mundo, continua a ser tema de debate na oncologia. A dificuldade em sua detecção precoce é um dos grandes desafios, uma vez que a enfermidade frequentemente avança silenciosamente, sendo geralmente identificada em estágios avançados.
O tema do rastreio do câncer de pulmão foi discutido amplamente por médicos, que apresentaram argumentos a favor e contra a criação de um protocolo específico para fumantes. Os defensores da iniciativa sugerem que a identificação precoce por meio de tomografias computadorizadas poderia facilitar diagnósticos e tratamentos mais eficazes. Em contrapartida, críticos alegam que a proposta seria financeiramente insustentável, uma vez que o grande número de fumantes sobrecarregaria o sistema de saúde com exames que poderiam revelar poucos casos de câncer.
Recentemente, uma pesquisa foi divulgada no Congresso de 2024 da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), propondo um caminho para alcançar um consenso sobre o tema.
A pesquisa identifica um grupo ideal para o rastreio de câncer de pulmão, consistindo em indivíduos com idade entre 50 e 80 anos, com histórico de alto consumo de cigarros, que tenham interrompido o vício há menos de 15 anos ou ainda estejam fumando. Para estes pacientes, recomenda-se a realização de tomografias computadorizadas periódicas para avaliação de possíveis tumores.
Os fumantes de alto consumo são definidos como aqueles que superam 20 anos-maço, que se calcula multiplicando a média diária de cigarros fumados pelo número de anos de vício. Por exemplo, uma pessoa que fumou 20 cigarros diariamente durante 40 anos, teria um total de 20 anos-maço.
“Estabelecer um método de rastreio para essa população poderia reduzir a mortalidade do câncer de pulmão em 20%”, afirma a oncologista Clarissa Baldotto, presidente do Grupo Brasileiro de Oncologia Torácica (GBOT) e uma das autoras do estudo. A pesquisa sugere que a avaliação regular por tomografia deve ser realizada anualmente para este grupo prioritário.
O estudo aponta que a custo-efetividade do rastreio nesta população seria entre 5 e 15 mil reais menor na média de custo por paciente em comparação ao modelo atual, onde os exames são realizados apenas quando surgem sintomas. Atualmente, apenas 10% dos diagnósticos de câncer de pulmão ocorrem em estágios iniciais, mas a pesquisa sugere que com a abordagem ativa, até 50% dos diagnósticos poderiam ser feitos precocemente.
Os pesquisadores consideram que a melhoria na qualidade de vida dos pacientes e a redução de custos associados ao tratamento de tumores em fase inicial justificariam o investimento no rastreio. No entanto, a líder do estudo observa que é necessário reconsiderar como a sociedade trata indivíduos fumantes, pois muitos enfrentam estigmas relacionados à condição.
O modelo proposto pela pesquisa foi inspirado em práticas de rastreio em países como Estados Unidos e Canadá, desenvolvido em colaboração com a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) e a Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica (SBCT), com apoio financeiro da farmacêutica Roche.
Apesar da defesa em torno do protocolo proposto, não há consenso na comunidade médica. O oncologista Roberto de Almeida Gil, diretor-geral do Instituto Nacional de Câncer (INCA), considera que a abordagem poderia ser excessivamente onerosa e colocar pressão adicional sobre o sistema de saúde. Ele ressalta que estratégias como a luta contra o tabagismo e a proibição do uso de vapes são igualmente cruciais para a redução da mortalidade por câncer de pulmão.